Plano deve fornecer medicamento fora do rol da ANS para tratamento de ...-  Migalhas

Por unanimidade, os ministros da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiram que a Sul América deve fornecer o medicamento Kineret (Anakinra) prescrito a uma beneficiária portadora de uma doença ultrarrara, a Síndrome de Schnitzler. O fármaco é importado e não possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), motivo pelo qual a operadora havia negado o seu fornecimento. O caso foi julgado nesta terça-feira (18/5) no REsp 1.885.384/RJ.

A ação foi ajuizada pela beneficiária do plano após ter a cobertura do tratamento negada. Além da obrigação de fazer, a autora pedia uma indenização por danos morais. Os dois pedidos foram acolhidos pelas instâncias inferiores do Judiciário.

Na sentença, o juiz de primeiro grau concedeu tutela de urgência para o fornecimento do medicamento e fixou em R$ 10 mil a condenação por danos morais. O magistrado afirmou que o fato de o medicamento não possuir registro na Anvisa não poderia servir como escusa para o cumprimento da obrigação legal de promover o tratamento adequado ao segurado, considerando que ele fora prescrito por médico conveniado ao plano de saúde.

O acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) também entendeu ser abusiva a conduta da operadora ao negar a cobertura. Para o TJRJ, houve violação do princípio da boa-fé objetiva e falha na prestação do serviço, configurando por isso o dano moral. O valor de R$ 10 mil foi mantido.

A Sul América recorreu então ao STJ sustentando não haver previsão legal de cobertura do medicamento Kineret (Anakinra), mesmo que este tenha sido prescrito por médico conveniado. A operadora ressaltou ainda que a importação de medicamentos sem registro na Anvisa configuraria crime.

Inicialmente, em decisão monocrática de agosto de 2020, o relator do caso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acolheu o pedido da Sul América e fundamentou a decisão de acordo com a tese firmada no Tema Repetitivo 990 da Corte, segundo a qual: “As operadoras de plano de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado pela Anvisa”. Na mesma decisão, por conseguinte, ele extinguiu a condenação por dano moral.

A beneficiária apresentou embargos de declaração contra a decisão monocrática, mas eles foram rejeitados monocraticamente pelo ministro Sanseverino. Novamente, a autora recorreu apresentando agravo interno nos embargos de declaração, desta vez alegando que em se tratando de doença ultrarrara, é possível dispensar o registro do medicamento perante a Anvisa, conforme entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do RE 657.718/MG — caso em que se firmou a Tese 500, sobre o dever do Estado de fornecer medicamento não registrado na Anvisa. Esses argumentos foram acolhidos e o relator levou a discussão para a 3ª Turma.

Jurisprudência do STF ampara fornecimento de medicamento

Ao julgar o processo nesta terça, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino lembrou que a jurisprudência do STJ, de fato, não obriga os planos a fornecerem medicamentos não registrados pela Anvisa (Tema 990/STJ).

Entretanto, segundo ele, em se tratando de doença ultrarrara — no caso da Síndrome de Schnitzler a incidência é menor ou igual a um caso para cada 50 mil habitantes — fica configurada uma situação diferente, considerada suficiente para a não aplicação da jurisprudência do STJ.

Por fim, o relator afirmou que o STF, ao decidir sobre o dever do Estado de fornecer medicamento também não registrado pela Anvisa (Tema 500), sob o regime da repercussão geral, autorizou de forma excepcional a importação de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na Anvisa, nas hipóteses de doenças raras e ultrarraras.

“A existência de medicamento não experimental com registro de renomadas agências reguladoras estrangeiras é eficaz para o tratamento da moléstia da paciente. Acerca da ausência de previsão contratual e da obrigatoriedade de custear medicamentos importados sem registro na Anvisa há subsistência de fundamento”, concluiu o Paulo de Tarso Sanseverino, modificando o entendimento de sua decisão anterior, e mantendo também a condenação por dano moral.

Fonte: JOTA (Karla Gamba)

(19/05/2021)