Plano de Saude

Por unanimidade, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve um ex-funcionário de uma empresa como beneficiário do plano de saúde empresarial, mesmo passados 10 anos de seu desligamento. Os ministros entenderam que a empresa gerou uma expectativa ao permitir, deliberadamente, a manutenção do plano além do prazo previsto em lei. O julgamento ocorreu na última terça-feira (15/9) e a decisão confirmou o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), onde o caso foi julgado em segunda instância. O caso foi julgado no REsp 1.879.503/RJ.

O recorrente foi funcionário da Unipar Carbocloro S.A por mais de 40 anos, entre os anos 1970 e 2001, sendo usuário de plano de saúde empresarial coletivo da Bradesco Saúde, firmado a partir da relação contratual trabalhista. Em 2001, ao ser desligado da empresa, ele foi mantido como beneficiário conforme prevê a legislação.

De 2005 até 2011, embora não fosse funcionário, ele participou do Conselho Fiscal da empresa, período em que lhe foi concedida a possibilidade de permanecer no plano de saúde. Ao final de seu mandato no conselho fiscal, em 2011, a Unipar encaminhou ofício concedendo-lhe mais nove meses de plano e informando que, ao final deste período, seria extinta a relação contratual.

Insatisfeito, o homem ajuizou ação na Justiça buscando sua permanência no plano empresarial.

Manutenção do plano empresarial configurou ‘supressio’

Ao julgar o caso em segunda instância, o TJRJ reconheceu que não existe obrigação de manutenção de ex-funcionário como beneficiário após 24 meses de desligamento, conforme prevê o artigo 30 da Lei 9656/98. Entretanto, ao não cortar o benefício no momento da extinção do vínculo contratual, e passado o prazo legal de 24 meses definido pela lei dos planos de saúde, a Unipar teria gerado a confiança de que esse vínculo seria mantido de maneira vitalícia.

No julgamento desta terça, a defesa da Unipar argumentou que o entendimento do TJRJ se opõe aos precedentes do STJ — que reconhece a existência de prazo máximo para manutenção de ex-funcionário em plano de saúde coletivo — e confronta os princípios da atividade privada e da boa-fé objetiva. Além disso, a empresa alegou que a manutenção do acórdão poderia criar um precedente “perigoso” que coibiria outras empresas a tomar decisões semelhantes. “Nenhum empresário aceitará mais manter funcionário para além do prazo legal de 24 meses, definido em lei, sabendo que o Judiciário poderá condená-lo a manter essa decisão de forma perpétua, gerando a ele um ônus financeiro sem respaldo legal”, sustentou o advogado da Unipar.

No entanto, para todos os ministros da 3ª Turma do STJ, a manutenção deliberada do plano, após o prazo previsto em lei, configurou ‘supressio’, ou seja, houve a supressão do direito ou prerrogativa contratual da empresa pois, ao não ser exercido em um lapso de tempo, gerou na parte que se encontra no outro pólo da ação a expectativa de que não fosse mais exercido. O ‘supressio’ é um reconhecido instituto do Direito Civil, muito utilizado na análise de relações contratuais.

Responsabilidade pela confiança

A relatora do caso no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou ainda que a resolução do caso exigia uma análise da “responsabilidade pela confiança”, citando teóricos do direito civil.

“Há uma circunstância muito relevante na hipótese dos autos. Eles (o recorrente e sua esposa) permaneceram depois da demissão vinculados ao mesmo plano, nas mesmas condições, por mais de 10 anos, tendo apenas assumido o custeio integral do serviço, circunstância que segundo o TJ do Rio de Janeiro é apta a despertar no autor a confiança legítima na manutenção vitalícia do benefício. Dez anos não são 10 dias e não são 10 meses. O desate da controvérsia exige a análise desse cenário à luz da chamada responsabilidade pela confiança”, afirmou a ministra.

“Aquele que originaria a confiança e a frustra deve responder pelos danos causados. Confiança é a face subjetiva do princípio da boa-fé”, concluiu Nancy Andrighi.

Todos os ministros da 3ª Turma seguiram o voto da relatora e, por unanimidade, o acórdão do TJRJ foi preservado, mantendo a decisão de permanência do ex-funcionário no plano de saúde.

Fonte: JOTA (Karla Gamba)

(18/09/2020)