Igualdade

Por maioria, os ministros da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) condenaram o laboratório Fleury a pagar uma indenização por danos morais de R$ 10 mil a uma ex-recepcionista que entrou com uma reclamação trabalhista por discriminação racial.

Por maioria, os ministros decidiram condenar a empresa por discriminação, pela falta de diversidade racial no guia de padronização visual da companhia.

A trabalhadora, uma mulher negra, ajuizou ação requerendo dano moral sob a alegação de ter sido proibida, em diversas ocasiões, de utilizar o seu cabelo black power. A justificativa da empresa seria a de que o cabelo “não estava no padrão” da instituição.

Além disso, no “guia de padronização” do Fleury não constava qualquer pessoa negra, tampouco havia referência quanto aos cabelos crespos, fazendo com que e a mulher “não se sentisse representada e que, por tais motivos, sofresse discriminação em razão do uso do cabelo black power.

Segundo ela, os empregados de cabelo liso e comprido os utilizavam soltos, não sofrendo qualquer punição por isso, mesmo que estivessem fora dos padrões da empresa. Já a trabalhadora, que possuía cabelo black power acima dos ombros, “era obrigada a utilizar tiara, sendo que constantemente a sua supervisora a chamava atenção acerca da maneira que usava seu cabelo”.

Em primeiro grau, a Justiça do Trabalho julgou improcedente, por falta de provas, o pedido de indenização de R$ 40 mil. No segundo grau, o recurso da ex-funcionária também foi desprovido. O TST, contudo, entendeu que a falta de diversidade no guia de padronização já é uma discriminação e que, portanto, a ex-recepcionista deveria ser indenizada. Leia o acórdão na íntegra.

Para a ministra relatora da ação, Delaíde Miranda Arantes, o país detém um arcabouço jurídico de proteção à igualdade racial que veda qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada exclusivamente na cor da pele, raça, nacionalidade ou origem étnica.

“No caso, a falta de diversidade racial no guia de padronização visual da reclamada é uma forma de discriminação, ainda que indireta, que tem o condão de ferir a dignidade humana e a integridade psíquica dos empregados da raça negra, como no caso da reclamante, que não se sentem representados em seu ambiente laboral”, escreveu a magistrada.

No relatório, a ministra evocou dispositivos jurídicos internacionais e nacionais, fazendo alusão à Declaração Universal de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, à Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e à Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

No âmbito nacional, apontou entendimento quanto a violação da Constituição Federal, da Lei 9.029/95, que versa sobre a proibição de discriminação no ambiente de trabalho, e do Estatuto da Igualdade Racial, instituído pela Lei 12.288/2010.

Arantes disse, ainda, que “no atual estágio de desenvolvimento de nossa sociedade, toda a forma de discriminação deve ser combatida, notadamente aquela mais sutil de ser detectada em sua natureza, como a discriminação institucional ou estrutural, que ao invés de ser perpetrada por indivíduos, é praticada por instituições, sejam elas privadas ou públicas, de forma intencional ou não, com o poder de afetar negativamente determinado grupo racial”.

Na avaliação da advogada que atuou no caso, Monique Rodrigues do Prado, a decisão é motivo de comemoração não só pelo movimento negro e antirracista, como também por toda a sociedade brasileira, “visto que a apropriação por parte do judiciário, especialmente do alto escalão, da produção intelectual de autores negros, bem como de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, crava o caráter pedagógico das decisões judiciais, além de fomentar o debate público sobre as discussões raciais para que o racismo não seja somente uma questão marcada nas pessoas negras”.

Procurado, o Fleury enviou a seguinte nota à redação:

“O Grupo Fleury é uma instituição médica de 94 anos de existência, caracterizados por um comportamento rigorosamente ético e de respeito no relacionamento com todos que atuam na empresa e com as pessoas que procuram os seus serviços, e repudia com veemência qualquer tipo de discriminação.

O quadro de colaboradores da empresa é marcado pela diversidade. É composto por 11 mil pessoas, das quais 50,6% são pessoas negras e 80% são mulheres.

O Grupo Fleury mantém um Canal de Ética e Conduta independente para apurar denúncias de práticas e posturas contrárias ao seu Código de Confiança, que veta qualquer ato discriminatório.

Vale dizer que o documento a que se refere o acórdão não é vigente, nunca se orientou por qualquer tipo de discriminação e sua versão atual reforça ainda mais a política de diversidade e inclusão da companhia.

A empresa informa que irá recorrer desse Acórdão por considerar que os elementos técnicos que subsidiaram a decisão em primeira e segunda instâncias foram desconsiderados, bem como porque não reflete em nenhuma medida o comportamento ético, plural e de respeito às pessoas ao longo de sua trajetória de mais de nove décadas.”

O processo corre sob o número TST-RR-1000390-03.2018.5.02.0046.

Fonte: JOTA (Clara Cerioni)

(08/12/2020)